KAWASHI
SHI-HAN -
O CRIADOR DO JUDO FRANÇÊS
.
Quem era Mikinosuke Kawashi?
Muitos dos praticantes de hoje não
sabem quem foi, outros vagamente ouviram falar nele, mas não
sabem de facto quem foi.
Kawashi foi o grande fomentador do judo em
França, foi o pai do judo naquele país e, para além
disso foi um intelectual do judo, tendo criado o seu próprio
método de ensino: O método Kawashi bem como tendo prepetuado
em livros as suas ideias e experiências,
Mikinosuke Kawashi chegou a Paris em 1935.
Nessa altura o desconhecimento das artes marciais era quase total,
apenas se conheciam alguns dados obtidos das pesquisas de um tal senhor
Feldenkrais. Kawashi vinha incumbido da árdua tarefa de difundir
uma disciplina cujos princípios e prática não
eram de todo usuais sendo até contrários aos hábitos
ocidentais. - Não resistir mas sim ceder à força
adversária para poder dominar, esta era uma noção
aberrante para os espiritos ocidentais.
Para provar a eficácia da sua arte,
Kawashi formou combatentes que mais
tarde foram professores e, também eles, grandes precurssores
do Judo. Esses professores não podiam ter qualquer dúvida,
nem do âmbito psicológico nem do âmbito técnico.
O domínio da técnica e da nomenclatura deveria ser total.
O
MÉTODO KAWASHI
Com a colaboração de Jean Gailhat seu assistente, Kawashi
perpetuou em livros as suas ideias. O seu método de ensino das
técnicas foi uma referência no ensino em França,
sobrepondo-se ao Gokyo do Kodokan.
Este método baseava-se
em elementos lógicos, mais acessíveis aos espíritos
ocidentais. O agrupamento das técnicas era baseado no tipo de
projecção, se era grande ou pequena, ou se havia apoio
numa perna ou nas duas, se era executada pelo interior ou pelo exterior
e não era baseado nos desiquilibrios. Kawashi foi no entanto
muito criticado por não explicar convenientemente o seu método.
A essas criticas retorquia ele no seu françês condensado:
"Se percebem, não é necessário explicar, se
nunca vão compreender, é inútil explicar". É
também da sua autoria o método de reconhecimento do grau
de desenvolvimento do atleta através da cor do cinto.
Era sua convicção
que sem este método o Judo jamais vingaria quer na França
quer na Europa, já que os seus alunos foram posteriormente os
difusores do Judo nos outros países europeus, excepto em Inglaterra.
Alguns deles foram até à América do Sul, Cuba,
Canadá, etc. onde desenvolveram a arte.
Na sua última
viagem a França, em 1938, Jigoro Kano teve oportunidade de se
certificar do trabalho efectuado por Kawashi, então 5º Dan,
incentivá-lo e encorajá-lo a continuar no seu rumo. Kano
viria a falecer no barco que o levaria de volta ao Japão.
Durante a última
guerra, a nacionalidade japonesa de Mikinosuke Kawashi, permitiu-lhe
residir em França sem qualquer problema. No entanto, finda a
guerra a situação alterou-se devido à posição
política adoptada pelo Japão que, sendo aliado da Alemanha,
era inimigo da França. Kawashi viu-se obrigado a abandonar aquele
país tendo de precorrer um longo caminho até chegar ao
seus país natal.
Apesar de nunca ter falado dessa viagem, sabe-se que ela
demorou cerca de dois anos já que teve de passar pela Alemanha
e pela Russia.
A semente do Judo estava no entanto lançada
e, na sua ausência, foi germinando com fulgor, sob a responsabilidade
de dois dos seus melhores alunos: Jean de Herdt excelente combatente
e Jean Beaujean, bom tecnicista e excelente professor.
Em 1947 era oficialmente criado em França
o Colégio dos Cintos Negros, fruto do desenvolvimento da modalidade,
no entanto os responsáveis da altura sentiam que os seus conhecimentos
eram ainda insipientes, pelo que trataram de contactar o Sr. Kawashi
convidando-o a regressar a França.
E assim foi, Mikinosuke Kawashi viria
a desembarcar a 30 de Novembro de 1948 em Marselha com a sua esposa
e seu filho Norikazu, recém nascido no barco. Kawashi era então
7º Dan. O Judo françês iria passar pelo seu primeiro
grande desenvolvimento. Do ponto de vista desportivo a modalidade era
bem aceite pelos franceses.
NOVAS
TENDÊNCIAS E AS DISCORDÂNCIAS
No plano técnico, novas tendências surgiriam. Jean Beaujean
voltaria do Japão em 1950 dizendo ter visto no Kodokan um Judo
muito mais dinâmico do que era ensinado em França, baseado
sobretudo no desiquilibrio do adversário.
Ishiro Abe de 29 anos
instalo-se em Toulouse. Era bom professor, bom demonstrador, bom estilista,
entusiasmou os judocas franceses que então procuravam libertar-se
dos métodos de Kawashi que já não correspondiam
às suas aspirações.
Havia quem dissesse que
Kawashi era intransigente, outros que ele tinha um forte carácter,
acreditando piamente no seu método, outros que ele era liberal
e tolerante e que não impedia ninguém de trabalhar como
Beaujean e Abe. Diziam também que era hostil ao Kodokan.
Kawashi convidou Shozo Awazzu, 6º Dan, (na foto em 2º plan
à direitao conversando) para ser seu assistente. Awazu era tão
brilhante demonstrador como Abe, no entanto era dotado de uma extraordinária
eficácia no combate tanto em pé como no solo.
Em Dezembro de 1951 foram realizados em Paris
os primeiros campeonatos da Europa. Foram convidados a assistir os mestres:
Kurihara, 9º Dan, antigo mestre de Kawashi, Daigo, 6º Dan,
campeão do Japão de todas as categorias, Risei Kano, filho
de Jigoro Kano e presidente do Kodokan, Tashiro, 6º Dan, reponsável
pelos assuntos internacionais do Kodokan e Matsumoto, 7º Dan, professor
no Kodokan. Quem
poderia ainda afirmar que Kawashi era hostil para com o Kodokan?
A França foi a grande vencedora desse
campeonato, o que originou uma enorme afluência aos clubes de
judo e um grande aumento de praticantes da modalidade.
No entanto nem tudo eram facilidades, a Federação,
o grupo Kodokan e o Colégio dos Cintos Negros estavam divididos.
Em 1956 foi estabelecido um acordo que visava a criação
da FFJDA sob a égide da Federação e do grupo Kodokan.
A rotura com o Colégio dos Cintos Negros foi total em 1957. Foi
uma grande mágoa para Kawashi.
Em 1958 a FFJDA passava a contar como
Conselheiro Técnico com Shozo Awazu, que se tinha desligado de
todo o conflito e Haku Michigami passou a ser o Director Técnico
do Colégio dos Cintos Negros.
ABANDONADO
Mikinosuke Kawashi,
ficou sozinho. Depois de ficar gravemente doente, o seu maior desejo
era voltar ao Japão, mas foi em França que veio a falecer
em Janeiro de 1969 com 71 anos.
Os seus criticos acusaram-no por vezes de ser
interesseiro, de gostar muito de dinheiro e da boa vida, era no entanto
um homem da sua época. Nunca pretendeu ser mestre do ZEN desinteressado
dos bens e dos desejos terrenos. Alguns dos que o criticavam eram tão
ávidos como ele.
Durante 25 anos a sua silhueta foi familiar
a todos os judocas. Com os seus óculos redondos, o seu bigode
à Charlot e o seu cinto vermelho e branco. Em todas as demonstrações,
em todos os campeonatos, nas mesas de provas ou como árbitro
aparecia sempre de Judogi. A sua presença dava brilho aos encontros,
era admirado e respeitado.
Num quarto de século apresentou, desenvolveu
e revolucionou todo o Judo europeu. Pode-se dizer que ele é uma
das mais importantes personalidades do judo mundial.
Para um homem que teve tanta importância
no Judo françês, é pena que hoje esteja tão
esquecido.
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